15 de abril de 2010

É dando que se recebe...


Autor: Emerson Gonçalves
Fonte: Globo Esporte: http://colunas.globoesporte.com/olharcronicoesportivo/
  
O mundo da bola reproduz o mundo da política. Normal, claro, dado que ambos são filhos diletos do mesmo país. É, normal, embora devesse ser anormal, mas muito triste e decepcionante.

O jornal O Estado de S.Paulo divulga hoje que o presidente do Corinthians, Andrés 
Sanchez, será o chefe da delegação brasileira na África do Sul.

O convite, como diz o jornal em matéria assinada por Silvio Barsetti, o mesmo que tem falado sobre as ameaças ao Morumbi como estádio da Copa em São Paulo, a partir de fonte chamada de “alto executivo da FIFA”, é um prêmio ao apoio de Sanchez à candidatura Kleber Leite no Clube dos 13, em cuja chapa era o 1º vice-presidente. As contas do apoio a Kleber estão sendo pagas.

Ainda ontem, a CBF divulgou, para surpresa de muitos, mas não de todos, que a malfadada “taça de bolinhas” será entregue ao São Paulo FC, como primeiro clube cinco vezes campeão brasileiro.
Uma jogada brilhante do presidente da CBF – ah, desculpem, a decisão foi do jurídico da entidade, depois de longas e exaustivas análises legais, etc e tal… – e que, no mínimo, irá provocar rusgas desnecessárias entre os dois maiores apoiadores da candidatura Koff no Clube dos 13. E essa jogada também é parte do acerto de contas em relação à eleição. Nesse caso, acerto fica melhor que pagamento, em função de sua significação mais ampla.

Tudo parece girar em torno disso, repararam? Mas o Clube dos 13 é somente um pretexto.
 
Habemus circenses

Se o meu parco latim não me traiu, é isso aí: Temos circo.
E não é a versão boleira do Cirque de Soleil, que ontem goleou o Guarani por 8×1.
Falo da versão mixuruca e provocativa do presidente da Federação Paulista de Futebol, que disse que irá promover desfile em carro aberto com a tal taça. Seria cômico se não fosse tão bobo e claramente provocativo.
Marco Polo Del Nero, visto no Morumbi com péssimos olhos, sobretudo depois que acusou o clube de dar ingressos do show da Madonna para o árbitro Vagner Tardelli, não falou tal disparate a troco de nada (sobre o affaire Madonna: nada foi provado contra o São Paulo, pelo contrário, e Del Nero foi condenado pelo STJD; posteriormente, como é de praxe, sua suspensão foi deletada; normal, como tudo que é anormal em Pindorama). Como não dá para acreditar que alguém com sua formação intelectual e profissional, além de vivência política, poderia falar tal besteira a troco de nada, só resta acreditar que a intenção com ela é ver o circo pegar fogo. Porque não é de duvidar que haja uma meia dúzia de torcedores capaz de levar a sério tal pantomima, que não chega sequer a ser uma ópera bufa.

E agora, Juvenal?

Este Olhar Crônico Esportivo acredita que a postura firme e reta de Patrícia Amorim, presidente do Flamengo, que manteve seu voto em Fabio Koff apesar das fortes pressões de parte dos conselheiros e cardeais rubronegros, foi decisiva para o resultado da eleição.
Nos últimos anos, em diferentes gestões, Flamengo e São Paulo têm atuado e votado juntos dentro do Clube dos 13, na quase totalidade das vezes. Fica claro que os interesses dos dois clubes são convergentes, principalmente no que diz respeito às grandes questões em discussão no futebol.
Em 1987, Flamengo e São Paulo foram co-mentores da criação do Clube dos 13 e da criação da Copa União, que, para os clubes associados, substituiu o Campeonato Brasileiro do mesmo ano. Para o São Paulo e para qualquer são-paulino, mais até do que para os torcedores dos outros times que estavam na disputa, reconhecer o Flamengo como campeão é algo tão obrigatório, seja eticamente, seja esportivamente, seja moralmente, que nem vale a pena perder tempo com isso. Essa taça, por direito adquirido – mas não pelo direito, digamos, jurídico – é do Clube de Regatas do Flamengo.
Cabe a Juvenal Juvêncio, portanto, na visão deste OCE, uma única atitude: entregar a taça ao seu legítimo dono.

Ao fazer isso, ou se fizer isso, entretanto, Juvenal Juvêncio aprofundará a ferida com a CBF. Não será um tapa com luva de pelica, será um murro mesmo, sem direito a capacete protetor e luvas macias. Ao mesmo tempo, criará profundo desgaste com o Sport Clube do Recife, um voto de peso no Clube dos 13, principalmente com a possível, talvez provável, ampliação do número de associados do Clube. Ainda ontem – vivemos dias realmente agitados – Fabio Koff divulgou nota oficial a respeito: “A CBF teve 18 anos para decidir o destino da taça. Tomar tal atitude justamente no momento em que os clubes reafirmaram sua independência em relação à CBF tem um só objetivo: nos dividir. São Paulo, Flamengo e Sport continuam unidos, independentemente do destino do troféu.”

Que belo abacaxi recebeu o presidente do São Paulo!
Acertando e entregando a taça, ampliará a briga com o presidente da confederação, algo que parece estar tomando contornos pessoais (o que não é de estranhar, diga-se, dado o fato de presidente e entidade confundirem-se) e abrirá uma briga com um parceiro importante.
Errando, e permanecendo com a taça, por mais serena e superior a isso que seja a presidente do Flamengo pessoalmente, a todo momento, em toda questão que os dois clubes estiverem juntos ou que o São Paulo venha a precisar do apoio do Flamengo, inúmeras vozes correrão a gritar em seus ouvidos que o São Paulo ficou com a “taça de bolinhas” e o seu simbolismo tosco, mas que faz sucesso, justamente por isso.

De minha parte, prefiro sempre fazer a coisa certa e arcar com suas conseqüências. Princípios devem sempre sobrepor-se a quaisquer considerações diferentes, por mais lucrativas ou benéficas que possam ser.
Nesse momento, se há uma coisa que o futebol brasileiro precisa é de honradez e respeito aos valores básicos da democracia, transparência, ética e esportividade. Ah, a esportividade, essa coisa esquecida, abandonada, que já é menos citada que o fair play, que nada mais é do que parte da esportividade.

Como o futebol não é dissociado do país real, a sujeira política que domina o cenário dito republicano reproduz-se no mundo da bola. A política rasteira do “é dando que se recebe”, praticada entre os poderes republicanos desde sempre. Pode ser sonho, mas ficaria muito feliz em ver o futebol dando exemplo de conduta ao mundo político tupiniquim.
Quem sabe…
 
A questão Morumbi e a Copa 2014

Cheguei a escrever a esse respeito, mas deletei, preferi aguardar por algo mais que declarações de um “alto executivo da FIFA”, que a mais rasteira observação identifica como sendo o presidente da CBF.
Ainda há muita água a rolar por baixo dessa ponte. Curiosamente, outras pontes tão ou mais problemáticas vêm passando ao largo das polêmicas.
Não deixa de ser interessante. Aprendemos com o que vemos e também com o que não vemos.

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